quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Aula de 06 de fevereiro de 2008

Tema 1: Teoria Geral da Constituição (Parte 3 de 3)

6. FENÔMENOS DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL

6.1. Recepção
O fenômeno da recepção assegura a preservação do ordenamento jurídico inferior e anterior à nova Constituição, desde que, com esta, se mostre materialmente compatível (procedimento abreviado de recriação de normas jurídicas).
Assim, as leis infraconstitucionais editadas sob fundamento de validade da Constituição anterior, não necessitam de nova votação, tendo em vista que, se forem compatíveis com a nova Constituição, serão recepcionadas por esta, possuindo, então, um novo fundamento de validade.
O fato de uma lei se tornar incompatível com o novo texto constitucional dá ensejo a sua revogação (tácita), de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que inexiste inconstitucionalidade superveniente. Destarte, uma lei não recepcionada está revogada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o artigo 233 do Código Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal e foi tacitamente revogado pelo § 5.º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988.
O fenômeno da recepção, então, é uma questão de compatibilidade exclusivamente material, pois nada tem a ver com o aspecto formal. Tomemos, como exemplo, a exclusão dos Decretos-lei pela Constituição Federal de 1988. Todos os Decretos-lei preexistentes compatíveis com as novas normas constitucionais continuaram vigentes (exemplo: o Código Penal e o Código de Processo Penal).
Tratando-se de matéria reservada a lei complementar na Constituição anterior e a matéria reservada a lei ordinária na nova Constituição, haverá recepção; entretanto, será recepcionada como lei ordinária.
Um exemplo é a Lei Orgânica do Ministério Público, em que a Constituição Federal de 1969 reservava a matéria à lei complementar, sendo editada tal lei sob o n. 40/81 . Com o advento da Carta de 1988 a matéria não foi expressamente reservada à lei complementar, sendo, então, editada a Lei Ordinária n. 8.625/93. Assim, a Lei Complementar n. 40/81 foi recepcionada pela Constituição vigente com natureza de lei ordinária, apesar de estar rotulada como lei complementar, e por isso foi revogada pela Lei n. 8.625/93.
O Código Tributário Nacional foi elaborado na vigência da Constituição de 1946, a qual não previa a espécie normativa lei complementar. Com o advento da Constituição de 1967, que passou a prever a lei complementar, tornando, ainda, o rito de observância obrigatória à matéria tributária, pelo fenômeno da mutação constitucional, o Código Tributário ganhou natureza de lei complementar.

7. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


7.1. Classificação das Normas Constitucionais Quanto à Eficácia Jurídica

A doutrina clássica classificava as normas constitucionais em auto-executáveis (auto-aplicáveis) e não auto-executáveis. Assim, algumas normas seriam imediatamente aplicáveis e outras não.
O Professor José Afonso da Silva, ao contrário do que entendia a doutrina clássica, afirmou que todas as normas constitucionais, sem exceção, são revestidas de eficácia jurídica, ou seja, de aptidão à produção de efeitos jurídicos, sendo assim todas aplicáveis, em maior ou menor grau.
Para graduar essa eficácia dentro de categorias lógicas, foi proposta a seguinte classificação:
· norma constitucional de eficácia jurídica plena;
· norma constitucional de eficácia jurídica limitada;
· norma constitucional de eficácia jurídica contida.

7.1.1. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Plena
Também chamada norma completa, auto-executável ou bastante em si, é aquela que contém todos os elementos necessários para a pronta e integral aplicabilidade dos efeitos que dela se esperam. A norma é completa, não havendo necessidade de qualquer atuação do legislador (exemplo: artigo 1.º da Constituição Federal de 1988).

7.1.2. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Limitada
É aquela que não contém todos os elementos necessários à sua integral aplicabilidade, porque ela depende da interpositio legislatoris (interposição do legislador). Muitas vezes essas normas são previstas na Constituição com expressões como “nos termos da lei”, “na forma da lei”, “a lei disporá”, “conforme definido em lei” etc.
A efetividade da norma constitucional está na dependência da edição de lei que a integre (lei integradora). Somente após a edição da lei, a norma constitucional produzirá todos os efeitos que se esperam dela (exemplo: artigo 7.º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, que só passou a produzir a plenitude de seus efeitos a partir do momento em que foi integrada pela Lei n. 10.101/00).
Norma de Eficácia Jurídica Limitada+
Interposição do legislador (Lei) =
Plenitude dos efeitos


A aplicabilidade da norma constitucional de eficácia jurídica plena é imediata. No caso da norma limitada, a aplicabilidade total é mediata.
O constituinte, prevendo que o legislador poderia não criar lei para regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada, criou mecanismos de defesa dessa norma:
· mandado de injunção;
· ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Conforme já foi dito, somente após a edição da lei, a norma constitucional produzirá todos os efeitos que se esperam dela. Assim, a norma de eficácia limitada, antes da edição da lei integradora, não produz todos os efeitos, mas já produz efeitos importantes. Além de revogar as normas incompatíveis (efeito negativo, paralisante das normas contrárias antes vigentes), produz também o efeito impeditivo, ou seja, impede a edição de leis posteriores contrárias às diretrizes por ela estabelecidas.
A norma constitucional de eficácia limitada divide-se em:
· Norma constitucional de eficácia jurídica limitada de princípio programático: todas as normas programáticas são de eficácia limitada. São normas de organização que estabelecem um programa constitucional definido pelo legislador. Essas normas são comuns em Constituições dirigentes. Exemplos: artigo 196 e artigo 215 da Constituição Federal.
· Norma constitucional de eficácia jurídica limitada de princípio institutivo: aquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei.[1] Exemplo: artigo 98 da Constituição Federal.

7.1.3. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Contida (Redutível ou Restringível)
A norma de eficácia redutível é aquela que, desde sua entrada em vigor, produz todos os efeitos que dela se espera, no entanto, sua eficácia pode ser reduzida pelo legislador infraconstitucional. Note-se que enquanto o legislador não produzir a norma restritiva, a eficácia da norma constitucional será plena e sua aplicabilidade imediata.
Excepcionalmente, uma norma constitucional pode ao mesmo tempo ser de eficácia limitada e contida, a exemplo do inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal.
Exemplo de norma constitucional de eficácia jurídica contida: o inciso LVIII do artigo 5.º assim dispõe: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;”. Observe-se que a norma restringe sua eficácia ao dispor, por exemplo, salvo nas hipóteses previstas em lei. A esta ressalva, constante do dispositivo mencionado como exemplo, a doutrina denomina cláusula expressa de redutibilidade. Destarte, é correto dizer que todas as normas que contêm cláusula expressa de redutibilidade são normas de eficácia contida.
Mas é preciso ressaltar que nem todas as normas de eficácia contida contêm cláusula expressa de redutibilidade. Com efeito, as normas definidoras de direitos não têm caráter absoluto, ou seja, em alguns casos, orientadas pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é permitido ao legislador criar exceções, ainda que a norma não tenha cláusula expressa de redutibilidade. Podemos citar como exemplo o artigo 5.º da Constituição Federal, que garante o direito à vida, entretanto esse direito foi reduzido quando o Código Penal admitiu a existência da legítima defesa. Se a norma garantidora do direito à vida fosse absoluta, não poderia uma norma infraconstitucional restringir esse direito, permitindo a legítima defesa. Outro exemplo que podemos citar de princípio consagrado constitucionalmente que não tem caráter absoluto é o da presunção de inocência (artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal). Se esse princípio tivesse caráter absoluto, a prisão preventiva seria inconstitucional.

7.1.4. Resumo
Assim, de acordo com a melhor doutrina, as normas constitucionais podem ter:
Eficácia Plena ------ Aplicabilidade imediata
Eficácia Limitada--- Aplicabilidade mediata
Eficácia Contida----Aplicabilidade imediata


Não exige lei que integre ou modifique a eficácia da norma.

Enquanto lei integradora não sobrevém; a norma não produz seus efeitos principais.
Enquanto a lei não sobrevém, a norma terá eficácia plena.

Por fim, as normas constitucionais podem ser de eficácia exaurida (esvaída) e aplicabilidade esgotada, conforme leciona Uadi Lammêgo Bulos, classificação que abrange sobretudo as normas do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que já efetivaram seus mandamentos.

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