quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Aula de 14 de fevereiro de 2008

Tema 2: Poder Constituinte (parte 2 de 2)



2. PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL (ARTIGO 60)

Quando o constituinte originário estabeleceu que o exercente do poder reformador seria o Congresso Nacional por meio de emenda constitucional, acabou por colocar limites e condicionamentos à reforma constitucional. Se houver a violação dos limites estabelecidos, a emenda constitucional será inconstitucional.

2.1. Limites à Emenda Constitucional
Os limites têm natureza procedimental, circunstancial, temporal e material.

2.1.1. Limites procedimentais (ou formais)
a) Iniciativa (artigo 60, “caput”)
A Constituição poderá ser emendada mediante proposta de um terço (no mínimo) dos deputados ou um terço dos senadores, do Presidente da República, ou de mais da metade das Assembléias Legislativas. A iniciativa para os membros do Congresso Nacional é necessariamente coletiva, ou seja, para que uma proposta de emenda constitucional possa tramitar, deverá haver, no mínimo, assinatura de um terço dos deputados ou senadores. Não poderá haver iniciativa parlamentar individual. A única iniciativa individual é a do Presidente da República. As Assembléias Legislativas das unidades da Federação poderão apresentar um projeto de emenda constitucional se houver a adesão de, no mínimo, mais da metade delas. Em cada Assembléia Legislativa é necessário o quorum simples (maioria relativa) para adesão à proposta.
b) Votação (artigo 60, § 2.º)
A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

c) Promulgação (artigo 60, § 3.º)
A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara e do Senado. Aprovada a emenda constitucional pelo Congresso, não irá para a sanção do Presidente da República.

2.1.2. Limites circunstanciais (artigo 60, § 1.º)
Durante a vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, o poder de reforma não poderá ser exercido. Essa limitação é chamada pela doutrina de limitação circunstancial, pois são circunstâncias que limitam o exercício do poder de reforma.
A norma constitucional decorrente do poder de reforma editada durante essas situações de anormalidade será inconstitucional.


2.1.3. Limites materiais
As limitações materiais dizem respeito às matérias que não podem ser objeto de emenda. As limitações expressamente dispostas no § 4.º do artigo 60 (cláusulas pétreas) são chamadas limitações materiais explícitas, entretanto, existem limitações materiais não dispostas neste artigo, que decorrem do sistema constitucional, e são chamadas limitações materiais implícitas.
Passamos a estudar as limitações materiais explícitas.
O § 4.º do artigo 60 dispõe que:
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.”

Observe-se que a Constituição diz “tendente”. Assim, a vedação atinge a pretensão de modificar qualquer “elemento conceitual” (exemplo: a autonomia dos Estados-membros é elemento conceitual do Estado Federal).
O Inciso I dispõe que o Estado Federal é imutável. Muitos doutrinadores entendem que há uma limitação implícita quanto à modificação da forma do governo e do regime de governo, tendo em vista o resultado do plebiscito de 1993.
O Inciso II dispõe que o voto direto, secreto, universal e periódico é imutável.
· Voto direto: o eleitor escolhe diretamente os seus mandatários, sem interposição de Colégio Eleitoral. Observação: Há uma hipótese de exceção ao voto direto no § 1.º do artigo 81 da Constituição Federal, que prevê eleição indireta para o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República se houver impedimento do Presidente e do Vice-Presidente nos dois últimos anos do mandato.
· Voto secreto: visa garantir a lisura das votações, inibindo a intimidação e o suborno.
· Voto universal: estende-se a todas as pessoas. O condicionamento imposto por força do amadurecimento das pessoas (idade) não tira o caráter universal do voto.
· Voto periódico: significa que os mandatos políticos são provisórios.
Pergunta: A Constituição Federal poderá ser reformada para que o voto passe a ser facultativo?
Resposta: Sim. O artigo 14, § 1.º, inciso I, dispõe sobre a obrigatoriedade do voto. Essa obrigatoriedade, entretanto, não é limitação material por não se tratar de “cláusula pétrea”, podendo ser objeto de emenda.
O inciso III dispõe sobre o princípio da separação dos poderes. A Constituição consagra que os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo são independentes e harmônicos entre si. O Poder, embora seja único, repartiu-se em três e nenhum deles pode ser abolido, ou seja, não poderá ser criado um novo Poder ou restringido um já existente (exemplo: não se pode transferir funções de um Poder para outro).
Por fim, o inciso IV dispõe que não se podem suprimir os direitos e garantias individuais. Assim, a limitação não alcança todos os direitos e garantias fundamentais.
Para melhor vislumbrarmos o alcance dessa limitação, é recomendável recordarmos alguns conceitos.
O gênero Direitos e Garantias Fundamentais comporta três espécies:
I – Direitos Individuais;
II – Direitos Sociais;
III – Direitos Políticos.

As espécies direitos sociais e direitos políticos não são protegidos pelo inciso IV. Se o constituinte quisesse que todos os direitos fossem intangíveis, não teria se referido aos direitos e garantias individuais, que é a espécie, e sim aos direitos e garantias fundamentais, que é o gênero. Há, entretanto, polêmica sobre o assunto.
Quanto aos direitos sociais, alguns doutrinadores entendem que podem ser suprimidos em face da inteligência do princípio do inclusio unius, alterius exclusio (o que não está dentro está fora). Outros sustentam, porém, que não podem ser suprimidos, pois se os direitos individuais são protegidos, com mais razão devem ser protegidos os direitos coletivos.
Ressalte-se que os direitos e garantias individuais mencionados na cláusula pétrea (artigo 60, § 4.º, inciso IV) não são somente aqueles que constam no rol do artigo 5.º da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal já entendeu que o direito do artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, que não está incluso no rol dos direitos e garantias fundamentais, é cláusula pétrea; concluindo, destarte, que estas não estão limitadas ao elenco do artigo 5.º da Constituição Federal. Essa parte da doutrina entende que os direitos sociais também podem ser considerados cláusulas pétreas, impossíveis de alteração.
Outra questão polêmica diz respeito à possibilidade de ampliação das hipóteses de pena de morte (artigo 5.º, inciso XLVII, alínea “a”), que atualmente só poderá ser imposta em caso de guerra externa declarada (estado de beligerância). Existe uma série de crimes previstos no Código Penal Militar apenados com morte. A execução se dá por fuzilamento, de acordo com o disposto no Código de Processo Militar. Uma ampliação a esta exceção por emenda constitucional seria tendente a abolir o direito à vida (direito individual). Então, a doutrina dominante entende que não será possível a adoção da pena de morte.
Há, ainda, outra matéria que divide a doutrina. A questão que se coloca é: a Constituição pode se alterada para reduzir a idade de imputabilidade penal de 18 anos para 16 anos? Há uma corrente doutrinária (minoritária) que entende que não, pois a regra prevista no artigo 228 da Constituição Federal trata-se de direito individual, sendo que as garantias e direitos individuais não se esgotam no rol do artigo 5.º da Lei Maior (há precedente do Supremo Tribunal Federal neste sentido, conforme dito acima). A corrente majoritária defende a tese de que se o constituinte quisesse que essa regra fosse imutável a teria colocado no já mencionado artigo 5.º.

As limitações materiais implícitas são, dentre outras:
· Titular do poder constituinte originário (artigo 1.º): o titular do poder originário não pode ser modificado pelo poder de reforma.
· Só o Congresso Nacional pode exercer o poder de reforma: não poderá haver delegação do poder de reforma. O Congresso Nacional não poderá delegar o poder de reforma a outro órgão.
· Procedimento de Emenda Constitucional: não poderá ser modificado o procedimento de Emenda Constitucional. Alguns autores entendem, entretanto, que o procedimento poderá ser modificado para torná-lo mais rígido.
· Supressão da própria cláusula: impossibilidade de supressão da própria cláusula do § 4.º do artigo 60.
· Forma e Sistema de Governo: alguns doutrinadores entendem que a forma republicana e o sistema presidencialista não podem ser alterados, sob pena de frustrar o plebiscito realizado em 21.04.1993. Entende-se que só o povo, diretamente, por meio de referendo, poderá reformar a Constituição quanto a estas matérias.

2.2. Revisão Constitucional
A Constituição trouxe, no artigo 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, uma disposição de revisão constitucional após cinco anos da promulgação da Constituição, por voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional e em sessão unicameral.
O artigo 3.º não pode, entretanto, ser interpretado sozinho, mas sim conjuntamente com o artigo 2.º, que previa o plebiscito para alterar a forma e o sistema de governo (o artigo previa a realização do plebiscito no dia 07.09.1993, mas o plebiscito foi antecipado para 21.04.1993). Desse modo, em início, a regra do artigo 3.º estaria condicionada ao resultado do plebiscito e só haveria a revisão se fosse modificada a forma ou o sistema de governo.
No dia 5.10.1993 foi instalada, porém, a Assembléia Revisional e o Supremo Tribunal Federal entendeu que sua instalação não estava condicionada ao resultado do plebiscito, sendo promulgadas, naquela ocasião, seis Emendas Constitucionais Revisionais.
A Emenda Constitucional Revisional, no entanto, estava submissa às cláusulas pétreas do artigo 60, § 4.º, da Constituição Federal, não podendo, validamente, suprimir direitos individuais, forma federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e periódico ou a separação dos Poderes.

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